Desde a segunda metade do século II a.C., o Reino do Bósforo sofreu uma importante crise socioeconômica e política causada pelos constantes ataques dos povos vizinhos (chamados pela civilização greco-romana de bárbaros). Ameaçada a sua existência e com quase a totalidade da Crimeia sob o poder dos roxolanos, o rei Perisades V decidiu em c. 107 a. C. procurar ajuda pedindo proteção a Mitrídates VI Eupátor rei do Ponto (reino helenístico na costa norte da Anatólia) cujo exército já se encontrava na península Táurica para socorrer a cidade de Quersoneso sitiada pelos citas e roxolanos. O general pôntico Diofanto negocia a submissão do reino do Bósforo ao reino do Ponto em troca de proteção contra os bárbaros. Porém, uma rebelião cita liderada por Saumaco interrompe as negociações. Perisades é assassinado e Diofanto consegue escapar e derrota posteriormente a Saumaco. O reino do Bósforo passa para o domínio de Mitrídates.
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Mapa do Reino do Ponto: antes do reinado de Mitrídates VI (roxo escuro), depois de suas conquistas (roxo), e suas conquistas nas primeiras Guerras Mitridáticas (rosa). O Reino do Bósforo faz parte das primeiras conquistas do célebre rei pôntico.
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Debaixo do domínio do Ponto, os bosforanos acabaram por se envolver nas Guerras Mitridáticas. Essas foram os três conflitos entre a República de Roma e o Reino do Ponto no século I a.C. (de 88 a 65 a.C.). Tomaram o nome de Mitrídates VI Eupátor, rei do Ponto e notável inimigo de Roma, que havia invadido a Ásia Menor em 88 a.C. e ordenado a execução de 100 mil romanos que lá viviam, incluindo mulheres e crianças, levando assim ao início da guerra. Durante a Primeira Guerra Mitridática (88-84 a.C.), o Bósforo se rebelou contra o poder pôntico em 86 a.C. , mas após o término da guerra, Mitrídates de novo impôs sua vontade sobre a região. Durante estes anos o Bósforo foi governado por representantes de Mitrídates, até que na Segunda Guerra o Mitridática (83-81 a.C.), os bosforanos se revoltaram uma segunda vez. Depois de restaurar a sua autoridade, Mitrídates VI fez de Macares, seu filho mais velho, rei do Bósforo no ano de 82 a.C.
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Broche de ouro (séculos II-I a.C.) da região do Bósforo Cimeriano |
Em 66 a.C. durante a Terceira Guerra Mitridática (75-63 a.C.), após as sucessivas derrotas pônticas para as legiões romanas comandadas por Cneu Pompeu, Macares se aliou aos romanos provocando a ira de seu pai, do qual acabou fugindo por medo e queimando tantos navios quanto podia para evitar ser capturado, mas finalmente foi alcançado e morto. Durante a campanha de Pompeu na Judeia, Mitrídates recuperou algumas de suas posses no Ponto, e planejava levar a guerra para a própria Itália, com a ajuda das tribos bárbaras hostis a Roma. Ante a superioridade naval romana, o Rei iniciou a marcha por terra com suas melhores forças, aproximadamente 36.000 homens, tendo que contornar o Mar Negro. Passando pelos territórios do Bósforo, o ânimo do seu exército decaiu progressivamente ante tão vasta região. Houve deserções para o lado romano, como a feita pelo contingente responsável por escoltar as princesas prometidas em casamento para os dinastas citas, as quais foram entregues a Roma. No dia anterior à partida para a Itália, todo o exército se amotinou contra Mitrídates liderados por seu filho Fárnaces II. Panticapeu, a cidade onde ele morava, se juntou a Fárnaces, que foi proclamado rei, contra Mitrídates. Sem apoio, Mitrídates se matou (63 a.C.) antecipando sua eminente execução ou pelos bosforanos sublevados ou pelos romanos.
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Ruínas de Panticapeu, antiga capital do Bósforo Cimeriano, em Kerch, Ucrânia. |
O Reino do Bósforo sob Fárnaces II
Fárnaces enviou uma embaixada a Pompeu com a apresentação de propostas e dos reféns, junto com o corpo de seu pai. Este último aceitou a oferta de Fárnaces e o apoiou para ser o rei do Bósforo, nomeando-o amigo e aliado de Roma. Provavelmente visando fortalecer seus vínculos com Roma, segundo o historiador romano Apiano (95-165 d.C.), Fárnaces teria oferecido sua filha, Dínamis, em casamento a Júlio César, que rejeitou a proposta. Posteriormente, Fárnaces atacou e conquistou em 49 a.C. a cidade de Fanagória, que não estava sob o domínio do Reino do Bósforo. Isso foi uma violação dos acordos com Pompeu, mas o fato não chamou a atenção de Roma, que então estava envolvida com a eclosão da Segunda Guerra Civil da República Romana (49-45 a.C.) que opôs Júlio César e aliados a Pompeu e aliados. Dada a falta de resposta romana e da pouca oposição, Fárnaces deixou Asandro como regente do Bósforo e continuou sua campanha expansionista invadindo a Cólquida e o Reino da Galácia em 47 a. C.
Ruínas de Fanagória, península de Talman, Ucrânia |
O rei da Galácia, Dejotaro, vassalo de Roma, apelou para o lugar-tenente de César na província da Ásia, Domício Calvino. Fárnaces enfrentou rapidamente as forças romanas provinciais derrotando-as. Animado por sua vitória, sentiu-se confiante e invadiu outros territórios do antigo reino de seu pai, o Ponto e parte da Capadócia. César teve notícias dos acontecimentos no Egito e começou a marcha para o Ponto para enfrentar Fárnaces. A batalha entre as tropas de César e as do Ponto ocorreu ao norte da Capadócia, perto da cidade de Zela. O confronto resultou rapidamente em uma vitória romana. Após a campanha, Júlio César proferiu suas palavras famosas no Senado: Veni, vidi, vici, aludindo à forma como rapida e completamente alcançou a vitória.
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Os domínios de Fárnaces II (Reino do Bósforo, Cólquida e o Ponto) e a marcha de César e o local da batalha de Zela |
Fárnaces rapidamente fugiu para o Bósforo, onde reuniu uma pequena força de citas e sármatas, com a qual ele foi capaz de recuperar o controle de algumas cidades. No entanto, ele enfrentou Asandro, e durante o cerco de uma cidade, morreu. Dínamis, a filha mais velha de Fárnaces, o sucedeu no trono, e se casou com Asandro (47-17 a.C.). César nomeou Mitrídates II de Pérgamo como rei do Bósforo Cimeriano e o enviou contra Asandro e Dinamis, derrotando-os temporariamente. Após a morte de César (44 a.C.), nos anos seguintes, marcados pela instabilidade política em Roma, Dínamis e Asandro foram reentronizados por César Augusto, o sucessor de Júlio César e primeiro imperador romano
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O Reino do Bósforo no contexto internacional em c. 40 a.C. |
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